domingo, 2 de janeiro de 2011

GIRL, INTERRUPTED (GAROTA, INTERROMPIDA)




INTRODUÇÃO
Baseado no livro homônimo escrito por Susanna Kaysen, esse filme de 1999 é um retrato emocionante do cotidiano de uma jovem portadora de Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável tipo Borderline (F60.31, segundo a décima edição da Classificação Internacional de Doenças). O filme tem como protagonista a atriz Winona Ryder e conta com a excelente participação de Angelina Jolie vivendo uma sociopata, papel esse que rendeu à Angelina Jolie o único Oscar de sua carreira até agora.

Além disso, merecem destaque as atrizes Brittany Murphy, que vive a personagem Daisy Randone, uma jovem atormentada pela relação incestuosa com seu pai há anos; Vanessa Redgrave, que interpreta a psiquiatra Dra. Wick; e a fantástica Whoopi Goldberg no papel da enfermeira Valerie.
De extrema importância tanto no livro quanto no filme, está Georgina Tuskin, interpretada por Clea Duvall. Georgina, durante boa parte da trama, fará parte da rede de apoio de Susanna no Hospital Psiquiátrico McLean.

"Have you ever confused a dream with life, or stolen something when you have the cash? Have you ever been blue or thought your train moving while sitting still? Maybe I was just crazy… Maybe it was the 60s, or maybe I was just a girl, interrupted.”


Essa é a introdução do filme. A partir dessa visão, a protagonista (vivida espetacularmente por Winona Ryder) inaugura a incrível jornada ao interior de seu problema, o ainda desconhecido e misterioso transtorno de personalidade que vai determinar sua conduta ao longo de todo o filme.
Uma das cenas mais marcantes é a inicial, em que Susanna é levada às pressas numa ambulância após ter ingerido uma quantidade enorme de aspirinas e de vodca, numa tentativa desesperada de alívio para sua dor de cabeça. No entanto, percebe-se aqui uma nuance que a distingue de um suicida típico: Susanna não se coloca num local indisponível, mas, pelo contrário, ela sai de casa, onde não havia ninguém, para um supermercado onde pôde ser encontrada e salva.
A cena descrita mostra um aspecto comum em pacientes portadores do Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline), a tendência a comportamentos autodestrutivos e a impulsividade levadas ao extremo, pois, a princípio, a paciente desejava apenas aliviar a sua dor. No entanto, avaliou mal as consequências da ingestão exagerada de tantos medicamentos e bebida alcoólica.
O tratamento instituído é Valium (diazepam) 5mg intramuscular, que é o tratamento preconizado por Bialer (2002) e que tem por objetivo estabilizar o paciente através do controle de quaisquer alterações do humor, quadros de ansiedade intensa associada ou não a agitação psicomotora.  O diazepam é um medicamento da classe dos benzodiazepínicos, os bem conhecidos 'calmantes' ou ansiolíticos, cuja ação é a ocupação de sítios alostéricos situados nos receptores GABAérgicos, assim facilitando a ligação entre esses receptores e o neurotransmissor inibitório chamado GABA, daí a ação de controle da ansiedade.
Uma alternativa ao quadro de agitação psicomotora intensa é o Haldol (haloperidol) 2-5mg por via oral ou intramuscular. O haloperidol é um antipsicótico típico, de primeira geração, pertencente ao grupo das butirofenonas que atua principalmente através do bloqueio dos receptores dopaminérgicos do tipo D2. Sua atuação dá-se sobre as diversas vias dopaminérgicas do encéfalo, quais sejam: mesolímbica, a mais envolvida nos sintomas positivos da esquizofrenia, como os delírios e alucinações; a mesocortical; a nigroestriatal, envolvida na modulação dos movimentos; e a tuberoinfundibular, responsável pelo feedback negativo exercido pela dopamina sobre a secreção de prolactina. O exato mecanismo segundo o qual o Haloperidol atua controlando a agitação psicomotora permanece obscuro. No entanto, a experiência demonstra uma eficácia muito grande desse medicamento nesses casos.

“I feel like there are no bones in my hands”


     Susanna se utiliza parcialmente desse delírio para justificar sua tentativa de suicídio, de acordo com o que se mostra no filme.
     A essa ideia errônea de que não se possui um órgão ou de que esse perdeu sua função dá-se o nome de Delírio Niilista, também chamado delírio de negação ou de Cotard. Considerado o extremo do delírio hipocondríaco, o delírio niilista pode associar-se a alucinações negativas, casos em que os pacientes chegam a negar os próprios sentidos e até a afirmarem já estarem mortos.
     Merece também destaque, nessa mesma cena, a percepção errônea que Susanna tem acerca do tempo, afirmando sentir que o tempo pode ir para trás ou para frente e que ela não tem qualquer controle sobre o tempo. A essa percepção errônea da sequência cronológica que nos envolve dá-se o nome Discronia.





“You look normal”


     Sentença proferida pelo motorista do táxi a Susanna quando de sua trajetória rumo à institucionalização. Aqui ele reproduz um estereótipo secularmente construído e bem estabelecido acerca do doente mental (mais particularmente aqueles que necessitam ser internados).
     Essa frase resume toda a ideia que ainda circula entre boa parte de nossos concidadãos: de que os institucionalizáveis são apenas os visivelmente loucos, os muito alterados. No entanto, e esse é um dos motivos pelos quais no Brasil e, particularmente no Ceará, o número de “casas de repouso” é limitado, a Reforma Psiquiátrica vem tentando desestigmatizar o doente mental, sem retirá-lo do convívio social ou, quando o tem que retirar, tentando reintegrá-lo o mais brevemente possível, restituindo o máximo de sua funcionalidade inicial.
     Críticas a esse fato se dão no sentido de que o tratamento humanizado do paciente psiquiátrico não necessariamente se opõe a institucionalização, principalmente quando essa se faz necessária (com indicações precisas como: depressão refratária com risco de suicídio; fase maníaca incontrolável; personalidades que ofereçam algum tipo de risco às pessoas do convívio do paciente, como é o caso de alguns psicopatas de difícil inserção social; pacientes agressivos; etc).
     No caso de Susanna Kaysen, a principal indicação seria a tentativa de suicídio e as atitudes autodestrutivas, e não o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline per si.

     Contudo, devido à baixa aceitação por parte das famílias de um tratamento baseado na institucionalização (internação), é ainda preciso uma longa luta no sentido de desconstruir a imagem do Doente Mental. Trata-se de uma via de mão dupla: ser internado significa ser tachado de louco e, ao contrário de se pensar que a internação tem por função recuperar e reintegrar o paciente na melhor de sua capacidade, pensa-se que se está decretando sua sentença de incurável. Por outro modo, pensa-se que a internação e o convívio com outros pacientes acaba piorando o quadro, devido ao convívio com portadores de doenças mais graves.
     De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito (utópico) de saúde é o de “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”. Segundo o conceito elaborado pela OMS, teríamos que admitir que ninguém escaparia ao rótulo de ‘doente’, pois para tanto, tal sujeito precisaria ter condição social favorável e ausência de conflitos psicológicos.
     Em saúde mental, o panorama é bem mais difícil de ser traçado. Um infartado tem uma área delimitada de lesão cardíaca e isso é bem demonstrado em exames complementares tais como eletrocardiograma e cateterismo. No entanto, quando a mente adoece, não há exames que comprovem a sua patologia, e isso se agrava quando pensamos que a saúde mental funciona com uma noção de espectro, ou seja, existem vários graus de comprometimento e uma tênue e quase inexistente linha de separação entre o normal e o patológico. Um texto de referência para essa discussão longe de ser concluída é o do autor francês Georges Canguillem, que considera vários pontos de vista para considerar a normalidade ou não. Citemo-lo rapidamente:
1)      Normalidade como ausência de doença: mais válido para outros ramos da Medicina que não a saúde mental, cujo órgão-alvo esteja bem delimitado e cuja função e integridade sejam facilmente demonstradas pelo exame clínico ou por meio de exames complementares.
2)      Normalidade ideal: depende diretamente do que uma sociedade considera ‘normal’. Como exemplo drástico podemos citar a execução sumária dos doentes mentais durante o regime nazista, baseado unicamente no que uma cultura dominante estipulou como padrão almejável.
3)      Normalidade estatística: a mais usada na Medicina, utiliza-se de vários estudos realizados ao longo do tempo para delimitar valores numa curva de Gauss que definam quem é normal e quem destoa desse conceito. Esse modelo torna-se falho, pois se baseia no conceito de ‘mediana estatística’, ou seja, é normal quem estiver próximo do valor médio obtido. Um exemplo que derruba esse conceito seria medir o Quociente de Inteligência (QI) de uma população e tachar de anormais da mesma forma os que destoassem da média obtida, tanto para menos quanto para mais.
4)      Normalidade como bem-estar: aqui entra a escolha da Organização Mundial de Saúde para definir o normal e o patológico em torno de doença ou saúde. Nesse modelo a doença aparece como tudo aquilo que causa mal estar e interfere com o bom funcionamento do indivíduo. Teoricamente é o modelo mais coerente, mas as críticas surgem devido à dificuldade de se conceituar bem estar e se esse bem estar precisa ser ‘completo’.
5)      Normalidade funcional: de acordo com esse conceito a doença só se conceitua quando perturba o funcionamento do indivíduo, tanto profissional quanto social, causando sofrimento no mesmo. Mas deixa de fora os pequenos distúrbios, que causam perturbação mínima ou ausente sobre o funcionamento social do paciente.
6)      Normalidade como processo: leva em conta as etapas da vida que trazem conflitos psíquicos e desestruturações e considera normal a superação dos conflitos envolvidos em cada um dessas etapas (grandes transições, como infância-adolescência; meia idade- terceira idade), e não a sua persistência.
7)      Normalidade Subjetiva: considera patológico aquilo que o paciente sente como tal. Necessita, portanto, que a capacidade de juízo crítico do paciente esteja preservada, o que não ocorre com os psicóticos.
8)      Normalidade como Liberdade: fornecidos pelos existencialistas, esse conceito prescinde de uma liberdade sobre a própria existência e sobre o próprio destino. Novamente, deixa de fora os pacientes cujas doenças não os afetam de forma tão grave.
9)      Normalidade Operacional: define o normal e o patológico e trabalha a partir dessas decisões prévias, pré-concebidas e arbitrárias.
Há uma frase interessante em Medicina que afirma que quando há muitos termos
para descrever a mesma doença, nenhum deles é adequado. Em saúde mental, que
é um ramo que ainda engatinha, apesar dos avanços memoráveis, isso é
especialmente aplicável.


“Everyone here is fucking crazy”


     Durante sua internação no Hospital Psiquiátrico de Claymoore (no livro que inspirou a obra, o hospital se chama McLean), Susanna entra em contato com várias outras pacientes, cada uma com um diagnóstico diferente e peculiar.
     A primeira com quem ela entra em contato é Georgina Tuskin, internada com o diagnóstico de Pseudologia Fantástica (sic), que consiste no relato falso e incontrolado de histórias fantasiadas nas quais o próprio sujeito passa a acreditar. Em seguida, ela melhor esclarece: sou uma mentirosa compulsiva (segundo a CID 10, podemos diagnosticá-la como sendo portadora de um Transtorno dos Hábitos e Impulsos, não especificado, F63.9).
     Um comportamento compulsivo segue, em grande parte dos casos, a um ciclo vicioso de pensamentos de conteúdos obsessivos sobre os quais a paciente tem insight, ou seja, reconhece como absurdos e inadequados, contudo, sem ter o poder de controlá-los ou de inibi-los. A esses pensamentos associa-se grande ansiedade, esta sendo aliviada pelos atos compulsivos realizados em seguida. Caracteriza-se, então, os pensamentos obsessivos como a Fase de Intenção e os atos compulsivos como a Fase de Execução. Observa-se, portanto, uma falta de autonomia tanto sobre a ocorrência da obsessão quanto sobre o controle da compulsão.
     O contato seguinte se dá de forma bastante impactante. Lisa Newport, uma paciente sociopata (de acordo com a CID 10, uma portadora de transtorno de Personalidade Dissocial, F60.2), apresenta-se como o maior desafio da clínica psiquiátrica. Bastante agressiva, manipuladora, intolerante a frustrações e facilmente irritável acaba se tornando um ponto de apoio para a protagonista durante a maior parte da trama. Em várias cenas percebe-se o quanto Lisa tem regalias no hospital, como por exemplo receber esmaltes e ter seu cigarro aceso por uma das enfermeiras. A personalidade de Lisa é bem abordada em duas cenas: a primeira, quando ela incita e instiga Daisy, expondo seus problemas, o que acaba levando-a a cometer suicídio; a segunda quando Susanna tem a sua mão machucada por uma pesada porta de ferro e Lisa não expressa nenhuma emoção ao ver a "amiga" sofrer. Contudo, Lisa é uma caricatura projetada para o cinema, pois a personagem original, descrita no livro, é bem mais dócil e encantadora que a agressiva Lisa cinematográfica. Em uma das páginas, Susanna afirma, sobre a saudade que sentia cada vez que ela fugia: Lisa sempre nos fazia rir.
     Daisy Randone, a personagem mais reclusa, tem história de relações sexuais incestuosas com o pai (não usarei o termo abuso sexual, pois a narração deixa a entender que há permissividade por parte de Daisy), anorexia (nunca come com as outras pacientes e esconde o alimento que recebe, o que, aliás é uma característica dos pacientes portadores de transtornos alimentares, que preferem se alimentar sozinhos, pois o ato de comer vem carregado de um forte conteúdo emocional e de ansiedade), preferência alimentar patológica por frango e constipação crônica. No decorrer da trama, Daisy comete suicídio. No livro, Susanna questiona se o suicídio de Daisy seria uma morte prematura. Para isso, ela argumenta: ‘E se ela tivesse ficado sentada ali por apenas trinta anos e tivesse se matado aos quarenta e nove e não aos dezenove? Ainda assim sua morte teria sido prematura?’.
     Polly Clark é uma mulher com o rosto desfigurado desde a infância, quando se banhou em gasolina e ateou fogo sobre a própria pele quando soube que não poderia mais criar seu cachorrinho por ser alérgica ao pêlo desse animal. Desde então, apresenta um comportamento pueril e uma marcante regressão psicológica, ainda se comportando como uma criança. Esse comportamento pueril deve-se à Esquizofrenia Hebefrênica (F20.1), diagnóstico que fica claro apenas no livro. Trata-se de uma forma mais rara de Esquizofrenia, caracterizada basicamente por alterações na esfera da afetividade, com um hipodesenvolvimento (puerilidade, infantilidade, comportamento extremamente regredido), além da existência de maneirismos, que consistem em anormalidade nos movimentos expressivos, sendo esses bizarros, despropositados ou inadequados. Tem um prognóstico pior dentre os subtipos de Esquizofrenia e responde mal ao tratamento com antipsicóticos por apresentar muitos sintomas negativos (embotamento afetivo e perda da vontade).





"I´m ambivalent"


     O psiquiatra se recusa a falar do diagnóstico de Susanna na frente dela, afirmando que ela só iria piorar de seu quadro.
     Contudo, sabe-se que uma parte importante da terapia está na compreensão, por parte do paciente, da sua condição. A própria Susanna, em uma cena posterior comenta isso, questionando: Como posso me curar se não compreendo minha doença?
     A descrição da personalidade Borderline no filme é a seguinte: instabilidade da autoimagem, dos relacionamentos e do humor, incerteza sobre metas, compulsão por atividades autodestrutivas como o sexo casual. Costuma-se observar também atitudes antissociais e pessimistas. No entanto, ninguém se prestou a explicar isso à paciente, o que significava e qual o impacto que cada um desses aspectos teria em sua vida pessoal e profissional. No livro, esse aspecto levou Susanna a procurar, por conta própria, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), quando ela nos revela: “Eram essas as acusações que me faziam. Só fui lê-las vinte e cinco anos depois. Na época, disseram-me que eu tinha um ‘distúrbio da personalidade’”.




“You´re hurting everyone around you”


     O impacto de um transtorno de personalidade recai principalmente sobre as pessoas do convívio do paciente.
     Os pacientes Borderline possuem uma instabilidade afetiva com consequente reatividade acentuada do humor, ou seja, são extremamente sensíveis aos mínimos estímulos, a eles então reagindo de forma desproporcionalmente agressiva, temerosa ou desesperançosa. Esse fato, por si só torna o convívio com um Borderline difícil.                 Some-se a isso o fato de que a maioria das pessoas desconhece esse transtorno ou, quando conhece, não o compreende de forma ampla, percebemos então que as relações interpessoais tornam-se quase um desafio a esses pacientes, que estão o tempo todo lutando contra si mesmos e contra as ideias errôneas e o preconceito das pessoas ao seu redor.

     Personalidade pode ser compreendida como o conjunto de características psicológicas que influenciam ou determinam o funcionamento social de um indivíduo. Assim sendo, o traço dominante de personalidade leva a comportamentos típicos e, de certa forma, esperados. Tomando por exemplo o Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável tipo Borderline, espera-se uma resposta agressiva à mínima contrariedade sofrida por um paciente com esse diagnóstico.




“I have friends here”


     A ligação existente entre as personagens Susanna e Lisa pode ser explicada, em parte, pela teoria dos contrários de Platão. Essa teoria afirma que cada coisa (incluindo as pessoas) possui um contrário, embora tenda a negá-lo. Lisa opõe-se à Susanna por ser desinibida, provocativa, manipuladora, sempre se posicionando ativamente em relação às outras pacientes. Lisa expõe a todas as pacientes percepções perturbadoras sobre cada uma delas, chegando a ser indiferente perante o sofrimento das companheiras de internamento. Consegue, contudo, ser leal a Susanna quando esta tem um encontro com o namorado no hospital e precisa de certo apoio.
Susanna se coloca, durante a maior parte do filme, em posição de extrema dependência, tanto em relação aos pais e ao terapeuta quanto em relação à Lisa (substituição) e, de certa forma, sente-se protegida por ela.
     Mas as semelhanças entre ambas são mais marcantes que as diferenças. Elas são facilmente irritáveis, não toleram contrariedades, possuem tendências a manter relações fugazes, oscilando facilmente da idealização extrema à desvalorização, e enfrentam profundos sentimentos de vazio. A relação pode ser compreendida como se Susanna desejasse preencher o seu vazio com o vazio de Lisa.





“How we hurt the outside trying to kill what´s inside”


     O comportamento auto-agressivo é muito explícito em pacientes borderline, manifestando-se principalmente na forma de escoriações, pancadas, desmaios propositais, ou outras manifestações do tipo.
     As tentativas de suicídio frustradas recebem a denominação de Parassuicídio Manipulativo, pois não têm a intenção de ser eficazes, mas de chamar a atenção para si e para o problema que os atingem. Intencionam, também, mudar o foco do sofrimento do paciente, do psíquico para o físico, o que a própria Susanna explicita tanto no filme quanto no livro.

O objetivo é o controle!

     A abordagem da Dra. Wick é crucial para a melhora de Susanna. Ela consegue intrigar a personagem a ponto da mesma parar de se opor à terapia e decidir, sozinha, pela recuperação. Apesar de deter o conhecimento e as técnicas psicoterápicas, o profissional nada pode contra alguém que não deseja recuperar-se.
     A psiquiatra foi bem sucedida em estabelecer um boa relação com a paciente, baseada em confiança e apoio, dois alicerces essenciais para o progresso de qualquer terapia, em qualquer área da Medicina, inclusive.





“Declared healthy and sent back into the world. My final diagnosis: a recovered borderline. What that means I still don´t know. Was I ever crazy? Maybe. Or maybe life is. Crazy isn´t being broken or swallow a dark secret. It´s you or me... amplified! If you ever told a lie and enjoyed it, if you ever wished you could be a child forever... They were not perfect but they were my friends! There isn't a day my heart doesn't find them.”


     Um transtorno de personalidade pode ser compreendido como um conjunto de características que definem o indivíduo, a persona.
     Segundo Sigmund Freud, a personalidade é uma esfera que se forma bastante precocemente na vida do indivíduo, já estando formada em torno dos 5 anos de idade. Jung afirma, no entanto, que o período crucial para se estabelecer a personalidade é a meia idade.
     Embora haja divergências entre esses teóricos de importância inquestionável o fato é que a Personalidade acompanha o ser humano por toda a sua trajetória e, à medida que o tempo passa, torna-se cada vez menos complacente e menos modificável. Pensando de maneira bem simplista, se a personalidade define o indivíduo, modificá-la seria criar um novo ser sobre o arcabouço vazio do que um dia foi uma pessoa, incutindo a esta novas características.
     A partir do exposto, não é possível curar um transtorno de personalidade, uma vez que tais características constituem o cerne sobre o qual se estruturou toda uma vida. Contudo, é perfeitamente possível para uma paciente Borderline, a partir da compreensão de sua doença e de um tratamento adequado (psicoterapia associada ou não a medicamentos) conviver bem consigo mesma e com os seus amigos e familiares.
     É necessário ressaltar que o paciente deverá se dispor à constante terapia (‘para o resto da vida’). Mas se pararmos para pensar, essa terapia é apenas mais uma forma de autocuidado, como o são os hábitos de higiene, que executamos todos os dias, e executaremos pelo resto da vida.



SOBRE SUSANNA KAYSEN


     Susanna Kaysen é uma escritora americana de 61 anos. Sua obra de maior visibilidade foi o livro homônimo em que se baseou o filme em discussão, cujo título em português é “Moça, Interrompida”. Com essa publicação ela se tornou mundialmente famosa.
     O título em inglês, “Girl, Interrupted”, traz um inteligente jogo de palavras que adianta o tema abordado, à maneira como Sófocles caracteristicamente trazia cenas que prenunciavam o desfecho da história. Como é de notório conhecimento, no idioma inglês os adjetivos precedem os substantivos. Contudo, Kaysen inverteu a ordem como um sinal de que, em sua mente, devido à sua doença, a ordem também se mostrava invertida. Para enfatizar a interrupção que a doença mental causou na sua rotina, ela usa uma vírgula desnecessária entre os dois verbetes do título.
     Extremamente criativa, Susanna aborda a sua própria patologia mental de forma ousada e profunda, arriscando a sua sanidade na busca pela tentativa de compreender o que está a se passar nesse território delicado, misterioso e pouco conhecido pela ciência e muito especulado pelo senso comum que é a mente humana.
     Questionadora, ela explora a dualidade entre mente e cérebro a partir da evolução dos estudos em neurociências e mostra boa compreensão acerca do funcionamento de circuitos cerebrais e neurotransmissores. Dotada também de uma veia irônica fina, de realce tênue, ela critica a tendência já crescente em direcionar o tratamento das doenças mentais unicamente pelo ponto de vista químico. Essa questão norteia importantes pontos de divergências entre dois ramos que deveriam seguir contíguos, que são a Psicologia e a Psiquiatria.
     Durante a leitura de Moça, Interrompida percebe-se a perfeita lucidez da autora acerca do que se passa com sua saúde mental (ou com a falta dela). Em Psiquiatria/Psicologia damos a esse fato o termo “Insight”, que significa o grau de entendimento que o paciente apresenta acerca da própria condição de estar doente.
     Por fim, vale ressaltar o fato de que o filme retirou muito da lucidez da autora, para que seu conteúdo se tornasse mais atrativo às telas e enfatizasse a doença mental. No livro, vemos a sanidade coexistindo com a patologia o tempo todo, e no meio da tempestade, encontramos Susanna Kaysen lidando como pode com essas duas pontas do fio tênue que norteia sua existência.
     As obras literárias de Kaysen incluem os livros ASA, as I know him (1987), Far afield (1990), Girl, Interrupted (1993) e The camera my mother gave me (2001).
Em todas essas obras, Susanna incute sua característica mais marcante: a criatividade, a reflexão e o humor ácido. The camera my mother gave me, por exemplo, é uma discussão sobre um assunto delicado: uma doença vaginal adquirida por Susanna e sem tratamento na época. Sempre tocando em assuntos tidos como proibidos, ela vai ganhando notoriedade com sua forma peculiar de escrever e ser lida.
     E, dessa forma peculiar, usando de muita criatividade, bom humor e perspicácia, Kaysen traduz um mundo que muitos ousam não tocar.

domingo, 27 de junho de 2010

A BEAUTIFUL MIND

INTRODUÇÃO


     Indicado a 8 prêmios da Academia, "A beautiful Mind" conquistou 4 Oscar, quais sejam: Melhor Diretor (Ron Howard), Melhor Atriz coadjuvante (Jennifer Connely), Melhor Roteiro (Akiva Goldsman) e Melhor Filme (Brian Grazer e Ron Howard).
     Estrelado por Russel Crowe, esse filme de 2001 baseia-se na obra homônima escrita por Sylvia Nasar, uma economista e escritora alemã que se tornou mundialmente famosa por ter escrito a biografia do fantástico matemático John Forbes Nash.
     Seu livro inspirou o diretor Ron Howard a levar às telas a história desse homem que desafiou a compreensão da comunidade científica mundial ao ser ao mesmo tempo um gênio reconhecido e um doente mental. Ele encarou o desafio de se graduar em matemática sendo portador de uma doença incapacitante: a Esquizofrenia.
     Trata-se de uma obra muito bem ilustrativa sobre essa patologia.
     Um clássico.




THE PRODIGAL ROOMMATE ARRIVES.


     Essa sentença anuncia a chegada de um personagem essencial à trama, chamado Charles Helman que, como será percebido ao longo do filme, é uma alucinação de John Nash.


     "Do you know that having a hangover is not having enough water in your body to run your Krebs cycles?". 
     Charles se apresenta a John através dessa sentença, o que reforça o fato de que o conteúdo das alucinações costuma ser proporcional ao nível intelectual do paciente. Perceba que Charles já sabe o nome de John e conversa com ele com uma intimidade e familiaridade tamanha que deixa a entender que já o conhece.
     Contrariando a epidemiologia das alucinações mais comuns na esquizofrenia (as auditivas) o filme traz alucinações visuais como uma melhor maneira de representá-las utilizando a sétima arte.
     Nota-se durante o filme que Charles não é real, pois ele nunca interage com John quando esse está conversando com os colegas de Princeton ou, quando notamos que ele se mantém distante de Nash no bar, deixando-o jogar sinuca sozinho, situação na qual um colega faz a pertinente pergunta: "Who's winning, John? You or you?".
     Perceba, também, que Charles só atravessa a porta do bar quando alguém abre a porta, pois não seria coerente que uma alucinação assim o fizesse.
     Charles evidencia o lado brilhante de John e por várias vezes cuida dele, como na cena da biblioteca em que chega a perguntar a quanto tempo Nash não se alimenta. Ele também o apoia quando de suas conquistas intelectuais, ao contrário de vozes difamatórias presentes na Esquizofrenia do tipo Paranóide (F20.0).
     Posteriormente, Charles apresenta a John sua sobrinha de 5 anos, Marcee, a qual terá papel fundamental no desenrolar da trama.




DEFINIÇÕES:


Sensopercepção: Instância psíquica através da qual apreendemos o mundo externo, utilizando-nos de diversas variedades de estímulos,podendo esses ser visuais, táteis, auditivos, olfatórios ou gustativos. Quando alterada, pode-se ter ilusões ou alucinações.
Ilusões: Alterações da sensopercepção em que, a partir de um estímulo real, forma-se uma "imagem" distorcida, podendo ocorrer com estímulos sonoros, visuais, gustativos, táteis ou olfatórios. Um exemplo de ilusão é fácil de descrever quando um indivíduo, sob o uso de drogas, interpreta um monstro onde, na verdade só há um cabide.

Alucinações: São "imagens" formadas na ausência de quaisquer estímulos reais. Presentes caracteristicamente em quadros psicóticos, as alucinações podem ser auditivas (ouvir vozes), visuais (ver coisas ou pessoas que não existem), olfatórias (sentir cheiros sem o estímulo químico correspondente), gustativas (sentir o gosto de alimentos que se não ingeriu) ou táteis (sentir em si a presença de animais, objetos, etc.)
Pensamento: Instância psíquica segundo a qual interpretamos os estímulos percebidos pela Sensopercepção e construímos um juízo de realidade adequado à nossa história de vida e experiência passada.
Delírios: São alterações do pensamento que resultam, portanto, em juízos alterados da realidade. Podem ser de vários tipos, por exemplo: de ciúmes, de grandeza, persecutório, de ruína, erótico, somático, etc, de acordo com o conteúdo principal expresso no delírio.
Delírio de Referência: Muito comuns na esquizofrenia, definem-se por ideias errôneas em que o paciente se vê no alvo de críticas e comentários das outras pessoas (caráter persecutório).
Delírio de Influência: Ideia errônea segundo a qual o paciente refere que outras pessoas ou entidades têm a capacidade de controlar suas ações e pensamentos.
Roubo do pensamento: Fenômeno em que o paciente crê que seus pensamentos são passíveis de serem roubados por outras pessoas.
Sonorização do pensamento: Fenômeno segundo o qual o paciente alega que seus pensamentos são audíveis por si mesmos ou por outras pessoas.
Inserção do pensamento: Fenômeno que consiste na crença, por parte do paciente, de que outras pessoas têm a capacidade de inserir ideias aos seus pensamentos, alterando-os.
Eco do pensamento: O paciente ouve seus próprios pensamentos momentos após tê-los pensado, na forma de eco. 







"John's always been a little weird"



     É notável que uma parcela importante de pacientes que desenvolvem esquizofrenia já demonstram uma personalidade pré-mórbida na infância e na adolescência, sendo significativamente desadaptados socialmente e não apresentando necessidade de interação social.
     No filme esse fato torna-se evidente em vários momentos, como por exemplo, no início do filme, quando notamos que Nash se mostra isolado, alheio ao que acontece ao seu redor, permanecendo calado a maior parte do tempo. Quando acompanhado, se envolve pouco na conversa, mesmo tendo tiradas muito inteligentes e sagazes. Ele permanece grande parte do tempo de cabeça baixa, exibe gestos estranhos e uma postura desconfiada (paranoide).
     Essas caracterísicas são notadas também quando John conversa com Charles e este diz que o protagonista se dava melhor com integrais do que com pessoas. Cita também que na escola uma professora uma vez lhe disse que ele havia nascido com duas vezes mais cérebro e com metade de um coração, o que evidencia a relativa facilidade em se perceber a dificuldade de um paciente pré-esquizofrênico, por assim dizer, em interagir socialmente. Nash finaliza com a seguinte frase: The truth is that I don't like people much. And they don't much like me. Nessa única situação percebemos o embotamento afetivo óbvio de John (I don't like people much) e a sua percepção delirante persecutória (And they don't much like me), em acreditar que as pessoas não gostam dele.
     Posteriormente Nash deixa evidente a sua dificuldade afetiva quando tenta contato com uma moça em um bar. Incentivado pelos amigos, pois de iniciativa própria ele provavelmente não iniciaria o contato, ele demonstra pouca habilidade em encontros amorosos ao ponto de a moça sugerir que ele deveria oferecer-lhe uma bebida. Nash então sugere que os dois tenham relações sexuais, pois essa era a finalidade desse contato e que uma relação sexual não seria mais que uma mera troca de fluidos orgânicos. Do alto de sua inteligência e coerência, ele estava certo, mas ao mesmo tempo mostrava-se completamente inadequado às exigências sociais. Nessa passagem estão presentes o embotamento afetivo, a pobreza do discurso e a desadaptação social do paciente.




" -What's wrong with him?
  -John has Schizophrenia."


     O diagnóstico de Esquizofrenia sofreu grande evolução histórica desde a sua descrição séculos antes de Cristo até os dias atuais. Morel descreveu, em 1856, um paciente jovem, brilhante que se tornou progressivamente apático e retraído e utilizou, pela primeira vez o termo Démence Précoce. Ao longo das décadas, vários outros profissionais descreveram quadros semelhantes (pertencentes ao espectro da Esquizofrenia, ou seja, as psicoses), como a hebefrenia, a catatonia e a dementia simplex.
     Kraepelin, em 1896, reuniu os quadros de hebefrenia, catatonia e dementia paranoides (esta descrita pelo próprio) sob a designação de Dementia Praecox, inspirado em Morel. Contudo, a designação demência precoce se mostrou inadequada com o tempo por não se fazer verdadeira a presença de demência (deterioração progressiva e irreversível das funções cognitivas) nem ser a esquizofrenia uma doença de início invariavelmente nas duas primeiras décadas de vida.
     Eugen Bleuler sugeriu, em 1908, a substituição do termo Dementia praecox pelo termo Schizophrenia (do grego, schizo=cindido e phrén=mente) que é utilizado e se faz adequado até hoje. Descreveu, também, características essenciais da esquizofrenia (distúrbios da associação do pensamento, distúrbios da afetividade, ambivalência afetiva e da vontade e autismo) e características acessórias, estas podendo estar presentes em outros transtornos (delírios, sintomas catatônicos, alterações da memória e da atenção).
     Mais recentemente, Kurt Schneider estabeleceu uma hierarquia de sintomas para a definição do diagnóstico de Esquizofrenia. Segundo Schneider, os sintomas de primeira ordem seriam muito sugestivos da doença, embora sua presença não fosse necessária para a realização do diagnóstico; e os sintomas de segunda ordem indicariam mais fracamente a presença da doença.


Sintomas de primeira ordem
  • Percepção delirante
  • Alucinações auditivas na forma de vozes que comentam a ação
  • Alucinações auditivas na forma de vozes que dialogam entre si
  • Sonorização do pensamento (Gedankenlautwerden)
  • Vivências de influência corporal
  • Vivências de influência sobre o pensamento
  • Difusão do pensamento
Sintomas de segunda ordem
  • Tudo aquilo que é feito ou influenciado por outrem no campo dos sentimentos, dos impulsos e da vontade
  • Outros distúrbios sensoperceptivos
  • Intuição delirante
  • Perplexidade
  • Disposições de ânimo depressivas ou maníacas
  • Vivência de empobrecimento afetivo
  • Outros sintomas
    A Classificação Internacional de Doenças, em sua décima edição (CID 10) também classifica os sintomas em mais sugestivos de Esquizofrenia (aqueles situados de a a d) e em menos provavelmente associados à doença:

Sintomas característicos da Esquizofrenia (CID 10)
(a) Fenômenos de alteração do pensamento (eco, roubo, inserção ou irradiação);
(b) Delírios de controle, influência ou passividade referidos ao própvrio corpo ou a movimentos dos membros, percepção delirante;
(c) Alucinações referidas como vozes que comentam os comportamentos do paciente ou discutem sobre esse entre si, ou vozes que vêm de alguma parte do corpo do indivíduo;
(d) Delírios persistentes de outros tipos que são culturalmente impróprios ou completamente impossíveis, como de identidade política ou religiosa, ou de poderes ou habilidades supra-humanos (p.ex.: ser capaz de controlar o tempo, ou ter comunicações com seres extraterrenos ou de mudar o destino de nações inteiras);
(e) Alucinações persistentes de qualquer modalidade, quando acompanhadas por delírios sem conteúdo afetivo claro, ou por ideias prevalentes persistentes;
(f) Interrupções ou interpolações de curso do pensamento, resultando em discurso incoerente ou irrelevante, ou neologismos;
(g) Comportamento catatônico com excitação, flexibilidade cérea, negativismo, mutismo ou estupor;
(h) Sintomas negativos, como apatia, pobreza de discurso, respostas emocionais embotadas ou incongruentes, em geral resultando em retraimento social ou queda do desempenho social; deve estar claro que esses sintomas não se devem à depressão ou a medicação antipsicótica;
(i) Uma modificação significativa e consistente na qualidade de alguns aspectos do comportamento pessoal, como perda de interesse, falta de metas, retraimento social e inatividade.

     O diagnóstico de Esquizofrenia é dado quando o paciente apresenta pelo menos um dos sintomas referidos nos itens a a d ou pelo menos dois daqueles referidos de e a h por um período de tempo superior a um mêsÉ preciso, também, excluir causas orgânicas que possam estar causando os sintomas, como intoxicação ou abstinência de substâncias, distúrbios endócrinos ou doenças crônicas. O diagnóstico de Esquizofrenia (F20) não pode ser dado quando os sintomas se instalam na mesma época de alterações no estado de humor (depressão ou euforia), situação na qual o diagnóstico de Transtorno Esquizoafetivo (F25) é mais adequado.



SUBTIPOS DE ESQUIZOFRENIA
Paranóide (F20.0)
Forma mais comum da doença, caracterizada pela predominância clara de:

  • Delírios persecutórios (como no filme ficou evidente, quando Nash se sente ameaçado por Willian Parcher, o espião que supostamente lhe delegou a função de decifrar códigos para o serviço secreto americano e, em menor escala, quando se sente ameaçado por seus colegas de Faculdade).
  • Postura desconfiada (notada quando Nash passou a desconfiar da esposa ao perceber que ela acreditou no discurso do psiquiatra e antes, por vários momentos em que ele se manteve distante e temeroso da opinião dos outros sobre si)
Hebefrênica (F20.1)
  • Alteração principalmente da afetividade (desenvolvimento rudimentar)
  • Delírios e alucinações fragmentados
  • Comportamento bizarro ou pueril (infantilizado, regredido)
  • Maneirismos
  • Rápido desenvolvimento de sintomas negativos (perda da vontade e embotamento afetivo)
  • Pior prognóstico dentre os subtipos
Catatônica (F20.2)
  • Transtornos predominantemente da psicomotricidade
  • Alternam-se períodos de agitação com períodos de estupor, mutismo, negativismo, rigidez, obediência automática e flexibilidade cérea
  • Automatismos e perseveração de palavras ou frases
  • Posturas bizarras ou inapropriadas
  • Geralmente o paciente não mantém contato
Indiferenciada (F20.3)
  • Fecha critérios para esquizofrenia, mas não se enquadra em nenhuma das categorias definidas (paranóide, catatônica ou hebefrênica) ou apresentam sintomas de mais de um subtipo, sem predominância de nenhum
  • Não preenche critérios para esquizofrenia residual ou depressão pós-esquizofrênica
Depressão pós-esquizofrênica (F20.4)
  • Episódio depressivo relacionado ao final de um surto esquizofrênico
  • Deve ter havido um surto esquizofrênico nos últimos 12 meses
  • Alguns sintomas esquizofrênicos ainda se fazem presentes
  • São preenchidos critérios para Episódio Depressivo (F32), com duração superior a 2 semanas
Residual (F20.5)
  • Predomínio de sintomas negativos: lentificação psicomotora; hipoatividade; embotamento afetivo; perda da iniciativa; pobreza da quantidade ou do conteúdo do discurso; pouca comunicação não-verbal pela expressão facial, contato visual, modulação de voz e postura; desempenho social e cuidado de si pobres;
  • Pelo menos um surto anterior com as características de esquizofrenia
  • Período de pelo menos um ano após o desaparecimento dos sintomas positivos (delírios e alucinações) em que os sintomas negativos estiveram presentes
  • Ausência de demência ou outro transtorno mental orgânico e de depressão crônica ou institucionalização suficientes para explicar os "sintomas negativos"
Simples (F20.6)
  • Pouco comum
  • Excentricidade de conduta
  • Inabilidade para cumprir demandas da sociedade
  • Declínio de performance
  • Predomínio de sintomas negativos
Outra esquizofrenia (F20.8)
  • Transtornos de pouca aceitação na literatura, como a esquizofrenia cenestopática
Não especificada (F20.9)
  • Não é possível classificar o paciente em nenhuma das demais categorias descritas


Quadro Clínico


     O diagnóstico de John Nash é dado quando ele já atua como professor da Universidade de Princeton e ocorre durante uma aula, quando o professor renomado descompensa e se deixa dominar por seus delírios.
     Durante a graduação é possível perceber as ideias bizarras que habitavam a mente do protagonista, como a sua tentativa desesperada em encontrar uma ideia original, em que ele afirma:
"I'm hoping to extract an algorithm to define their movement"
     Nessa passagem, fica evidente a formação de ideias bizarras e um pensamento desorganizado. É muito comum pacientes esquizofrênicos se entreterem por períodos prolongados em atividades inúteis aos olhos da sociedade, mas incrivelmente importantes aos seus olhos (percepção delirante).
"Memorizing the weaker assumptions of lesser mortals"
"Classes will dull your mind. Destroy the potential for authentic creativity"
     Da mesma forma, aqui há a percepção delirante em que o indivíduo crê que possui uma mente superior ou de que dele depende o destino de grandes empresas, nações, etc.
"I like to think it's because I'm a lone wolf. But mainly it's because people don't like me"
     Misto de embotamento afetivo (I'm a lone wolf) com delírios persecutórios (people don't like me).
"The Isotope Chip"
     Vivência de influência corporal, em que se tem a percepção de que pessoas ou entidades têm o poder de controlar suas ações e/ou pensamentos.
"He's been injected with a cloaking serum. I can see him because of a chemical that was released into my bloodstream when my implant dissolved."
     Por meio dessa sentença, Nash justifica o fato de sua esposa ser incapaz de ver Charles. Note o nível de elaboração do delírio de John, bem compatível com a seu nível intelectual.
"I need to look through the governing dynamics. Find a truly original idea. That's the only way I'll ever distinguish myself."
     Da mesma forma que o pensamento de John pode ser delirante, ele mostra bastante coerência em manter seu objetivo de elaborar uma teoria de importância mundial e ao perseverar na sua busca.
"What distinguishes you is that you are, quite simply, the best natural code-breaker I have ever seen"
     Aqui começa o clímax do filme. O delírio mais bem elaborado de Nash e o que vai levá-lo a descompensar completamente de seu quadro psicótico crônico. Trata-se da chegada de um novo personagem, Willian Parcher, um suposto agente norteamericano que propõe a John que ele decifre mensagens soviéticas codificadas em jornais e revistas e entregue os resultados em um local secreto, para evitar que a ex-URSS detonasse uma bomba em solo americano. O agente então implanta no braço de Nash um isótopo para garantir a ele o acesso a locais secretos (o chip). Com Willian Parcher, John vive o clímax de seu delírio persecutório, pois se sente pressionado pelo agente secreto a decifrar cada vez mais códigos, o que o leva à completa desorganização de sua vida acadêmica e pessoal, sob a pena de ser morto pelos agentes russos.
     Percebe-se aqui a coerência do delírio de John, pois em época de Guerra Fria, a situação hipotética em que o matemático renomado estava envolvido era perfeitamente factível. Essa foi a grande genialidade da trama e a responsável pela confusão entre os expectadores durante o desenrolar do filme.
         


ABORDAGEM PSIQUIÁTRICA


"Who are you talking to? Tell me who you see. There's no one there, John. There's no one there."


"-Charles isn't immaginary?
 -Have you ever met Charles? Has he ever come to dinner? Was he at your wedding?Have you ever seen a picture of him, talked to him on the telephone?
 -You're making him sound crazy.
 -Now the only way I can help him is to show him the difference between what's real and what is in his mind."
     O psiquiatra foi bem claro em sua abordagem e se fez compreender sem maiores dificuldades. A esposa de John passou então a ter contato com a condição delirante do marido e compreendeu a gravidade da situação.
     Da abordagem psiquiátrica resta apenas ressaltar o fato de que, apesar de contenção física se fazer extremamente necessária, pelo risco de agressão física por parte do paciente agitado, é preciso lembrar que sempre se deve respeitar a integridade física e moral do paciente, preservando a sua dignidade.




Discurso de recebimento do Prêmio Nobel 1994/95


"I've always believed in numbers. In the equations and logics that lead to reason. But after a lifetime of such pursuits I ask what truly is logic.Who decides reason? My quest has taken me through the physical, the metaphysical, the delusional and back. And I have made the most important discovery of my career. The most important discover of my life. It is only in the mysterious equations of love that any logical reasons can be found. I'm only here tonight because of you. You are the reason I am. You are all my reasons. Thank you."

domingo, 25 de abril de 2010

Mr. Jones

Introdução


Gravado em 1999, Mr. Jones é uma produção bastante simplista do cinema que traz o Transtorno Afetivo Bipolar como pano de fundo, sem se aprofundar em detalhes dessa patologia tão frequente.
Dirigido por Mike Figgis e estrelado por Richard Gere, é um filme agradável e bastante ilustrativo, ainda que superficial, sendo mais uma história de amor do que uma abordagem da patologia em questão.



Música tema: I feel good (James Brown)

Bastante adequada ao protagonista, a música tema ressalta basicamente o estado de humor eufórico do paciente em fase maníaca. Humor é a instância do psiquismo responsável pela expressão dos sentimentos e das emoções que persiste durante longo período. Difere do Afeto por este ser uma expressão momentânea do estado de humor basal do indivíduo. Uma analogia interessante para diferenciar humor e afeto seria: humor está para clima assim como afeto está para tempo. Durante o exame clínico, o profissional de saúde mental avalia o afeto e, com a evolução e o acompanhamento subsequentes, torna-se possível avaliar o estado de humor de seu paciente. O humor é dito hipotímico ou deprimido quando os sentimentos estão polarizados para o pólo deprimido, com anedonia (incapacidade de sentir prazer em atividades antes prazerosas), tristeza, apatia (falta de energia), abulia (ausência de vontade de realizar tarefas), e sentimentos de desvalorização. A hipertimia define o pólo oposto, ou seja, a euforia presente na fase maníaca, com aumento desproporcional da autoestima, sentimentos de poder, superioridade e avaliação empobrecida de possíveis danos com gastos exagerados, atividade sexual desprotegida, uso abusivo de drogas, dentre outros sintomas. O estado de normalidade define o humor como eutímico.
O afeto é a manifestação instantânea, aguda, momentânea do humor e varia com os diferentes estímulos do meio, sendo possível para um paciente com humor deprimido manifestar afeto eufórico caso receba uma notícia muito agradável. Nesse caso, diz-se que o indivíduo modula adequadamente o afeto.




"Paranoid Schizophrenia?"


O primeiro diagnóstico dado foi o de Esquizofrenia Paranóide (F20.0, segundo a décima edição da Classificação Internacional de Doenças, CID10), provavelmente baseado unicamente no relato de Howard, o carpinteiro que conheceu Mr. Jones na obra em que trabalhava e que o levou ao hospital quando este subiu no telhado afirmando que desejava voar. A cena em que o protagonista sobe no telhado e afirma ser capaz de voar (pensamento delirante, ou seja, um julgamento falso acerca de suas próprias capacidades) levou ao diagnóstico supracitado de forma erroneamente direta. No entanto, deve-se observar que, afora as percepções delirantes, Mr. Jones não apresenta outros sintomas psicóticos, como alucinações, fenômenos relacionados ao pensamento: eco, roubo, inserção ou irradiação (esses sintomas serão oportunamente discutidos na postagem sobre esquizofrenia) ou desadaptação social importante prévia. É também mandatório observar as alterações do humor, de forma a traçar uma diferença básica entre um delírio de superioridade (sou capaz de voar), presente em um episódio maníaco, de um delírio de perseguição, muito comum na esquizofrenia, em que o sujeito se sente perseguido por pessoas, entidades, instituições, etc, situação em que se vê pressionado por forças contra as quais é incapaz de lutar e acaba cometendo atos suicidas.
Assim, o diagnóstico foi dificultado pelo fato de não haver dados suficientes sobre o quadro do paciente, sendo retardado e levando a um tratamento ineficaz com antipsicótico (Haldol, o haloperidol), que atua apenas reduzindo os delírios e a intensa agitação psicomotora à qual nosso paciente estava sujeito sem, no entanto, tratar a causa base do desequilíbrio.




Dr. Elisabeth Bowen


Mostrada como desorganizada, meio desleixada, atrasada e atrapalhada, a psiquiatra do filme é posta paralelamente ao protagonista-paciente, sendo mostrada no mesmo patamar que este e ingressando mais do que deveria em sua vida. Durante o filme ela comete vários erros relacionados ao estabelecimento de uma relação médico-paciente adequada. Mostrava-se desatenta durante as consultas, perdida em seus próprios problemas e visivelmente entediada, não demonstrando interesse pelo que os pacientes relatavam. Em um momento da narrativa, ela viola a privacidade de seu paciente ao buscar informações sobre sua vida pessoal sem pedir a sua permissão. No entanto, mostra-se bastante competente ao avaliar o caso de Mr. Jones corretamente. Outro ponto a favor de sua conduta é a relação de confiança que ela estabelece com Amanda, uma paciente de origem oriental portadora de depressão.
Outras críticas à psiquiatra se fazem no quesito da necessidade de se manter uma distância segura de seu paciente, distância essa quebrada várias vezes ao longo do filme, quando a médica oferece carona ao paciente, perde a paciência e grita com ele e afaga seus cabelos quando esse entra em depressão. Manda a ética que, quando a relação médico paciente se transforma em uma relação mais próxima, a(o) médica(o) transfira esse paciente aos cuidados de outro profissional.



"I think he was misdiagnosed. He was psychotic, but not squizophrenic. He was expansive, intrusive, unappropriate, euforic. He was maniac."

O quadro clínico do episódio maníaco (F30) está bem representado no filme, através de um protagonista alto astral, charmoso, inteligente, expansivo, autoconfiante, com sua energia extremamente aumentada (nada o cansa), redução da necessidade de sono (sente-se revigorado após três horas de sono apenas) e taquilálico (fala muito rápido, porque o ritmo de seu pensamento está acelerado, o que se denomina taquipsiquismo). A cena inicial do filme mostra Mr. Jones pedalando mais rápido do que os outros ciclistas, cantando, apresentando humor eufórico e agitação psicomotora. Ao chegar numa obra ele afirma: "I'm the new carpenter. (...) I'm a precision machine. I can do twice the work any of these guys do. I swear." Provavelmente ele nunca trabalhou como carpinteiro, mas acreditava ser capaz de realizar essa tarefa com precisão e habilidade extremas. No ambiente de trabalho, ele se apresenta falante, puxa conversa com todo mundo, tem visivelmente mais energia que todos os outros trabalhadores, cadencia suas marteladas com as do colega Howard, de forma a parecer musical (a essa alteração da sensopercepção damos o nome de Hiperpercepção, em que as sensações estão extremamente aumentadas e o paciente "enxerga" o mundo dotado de um brilho especial, com nitidez e vivacidade únicas; por isso para Mr. Jones simples marteladas transformam-se numa verdadeira orquestra cadenciada). Observa-se também gastos exagerados, quando ele oferece dinheiro a um trabalhador que acabara de conhecer e, posteriormente, quando compra um cachorro quente com uma nota de cem dólares, deixando o troco para o vendedor; quando compra mais de um piano e quando se hospeda num hotel de luxo com uma moça que também acabara de conhecer e faz pedidos extremamente caros. Num momento posterior da narrativa, quando Jones relata sua infância e adolescência, ele afirma que aos três anos de idade já tocava Mozart, aos dez já tinha lido tudo e aos dezoito era o centro do universo, quando então acordou num hospital psiquiátrico.
Outras características apresentadas são: hipervigilância (muda constantemente o foco de sua atenção e, numa dessas mudanças, nota que a médica divorciou-se recentemente por ter notado ainda a marca da aliança em seu dedo) e hipotenacidade (incapacidade de sustentar o foco em um único ponto, ou seja, quando solicitado que se concentre, ele é incapaz de fazê-lo). Para se definir um episódio maníaco, os sintomas devem estar presentes durante um mínimo de uma semana (se durarem mais de quatro dias e menos de uma semana, diz-se que o episódio é hipomaníaco, não havendo nenhuma diferença em termos de sintomas segundo a CID10). Ao longo do filme o paciente acaba desenvolvendo sintomas depressivos, contudo não fica muito clara a duração desse episódio, para que possamos defini-lo como episódio depressivo maior (F32), pois este deve persistir por mais de duas semanas para que possa ser fechado o diagnóstico. Durante a fase depressiva de Jones, observa-se que ele perde o cuidado com a higiene pessoal, apresentando-se sujo e mal vestido, com a barba por fazer e o cabelo desorganizado. Anda na rua de forma desatenta, sendo quase atropelado numa cena, muito lentamente (lentidão psicomotora). Seu pensamento agora tem um curso mais lentificado e ele não mais consegue fazer contas de cabeça, seu raciocínio encontra-se visivelmente prejudicado. Há, também, labilidade emocional perceptível, choro fácil e intensa angústia. A abulia manifesta-se pela falta de vontade em participar das atividades em grupo propostas no hospital, bem como de realizar quaisquer outras atividades.
      Resumo dos sintomas principais da Mania:
  • Humor eufórico, expansivo ou irritável (pavio curto)
  • Aumento da energia e nível de atividade (mais produtivo, mais criativo no trabalho)
  • Hiperpercepção (sentidos aguçados)
  • Taquilalia (fala muito rápida)
  • Taquipsiquismo (pensamento de curso rápido)
  • Agitação psicomotora sem cansaço proporcional(inquietude)
  "-Now you're very agitated.
   -I am agitated.
   -And very tired.
   -I'm not tired. I'm not tired."
  • Aumento da impulsividade (gastos excessivos, sexo desprotegido, volubilidade)
  • Ideias grandiosas, autoestima exacerbada, otimismo exagerado (galanteador)
   "I have a big personality, I'm grandious."
  • Sintomas físicos: redução da necessidade de sono, aumento da libido
     Resumo dos sintomas depressivos:
  • Humor deprimido, irritável e/ou falta de interesse, motivação e de vontade (abulia)
  • Redução da energia (apatia) e fatigabilidade
  • Redução da capacidade hedônica (cujo extremo é a anedonia)
  • Lentificação psicomotora
  • Pensamentos e sentimentos negativos (de inferioridade, de menos valia)
  • Sintomas físicos: insônia/hipersonia, aumento/redução do apetite e/ou peso, dores difusas


"My old friends called Lythium, four a day, everyday. Keep us high and low is away."

O tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar depende, obviamente da fase em que o paciente se encontra. Na fase maníaca a administração isolada de estabilizadores do humor se mostra suficiente. Os estabilizadores de uso mais comum são o Lítio, o Valproato de sódio/Ácido Valpróico e a Carbamazepina.
O estabilizador mais antigo, descoberto como eficaz na mania em 1949, o Lítio pode ser usado nas formas de carbonato ou de citrato, ambos de igual eficácia, já que a substância ativa é o íon lítio.Seu mecanismo de ação ainda não está bem compreendido, mas o lítio se mostrou superior ao placebo em todos os estudos realizados tanto para evidenciar sua eficácia no tratamento da mania aguda quanto na prevenção da recorrência de novos episódios. Contudo, seu efeito antidepressivo não é clinicamente significativo. O lítio é mais eficaz na sequência mania-depressão-eutimia, quando o paciente já respondeu favoravelmente ao tratamento com lítio e na mania pura ou clássica.
O ácido valpróico e seu correlato valproato de sódio mostrou-se superior ao placebo e comparável ao lítio no tratamento da mania aguda e na prevenção de novos episódios maníacos. Mostra-se superior ao lítio em casos de episódios mistos (quando os sintomas maníacos e depressivos oscilam num período muito curto de tempo, como dias ou semanas), cicladores rápidos (apresentam 4 ou mais episódios distintos em um ano), início tardio dos sintomas e/ou curta duração da doença, história de vários episódios anteriores e sequência depressão-mania-eutimia.

Outros fármacos utilizados como estabilizadores do humor são a carbamazepina, a oxcarbazepina, a lamotrigina, o topiramato, a gabapentina e os antipsicóticos modernos (clozapina, olanzapina, risperidona, ziprasidona, quetiapina e o aripiprazol).
Como opção para a fase depressiva podemos utilizar os Inibidores Não Seletivos da Recaptação de Monoaminas (Serotonina, Noradrenalina e Dopamina), que atuam ocupando os receptores responsáveis pela recaptação dessas monoaminas, de forma a mantê-las mais tempo na fenda sináptica. A essa classe de antidepressivos pertencem os tricíclicos e heterocíclicos, como a amitriptilina, a nortriptilina, a imipramina, a clomipramina, a desipramina e a desmetilclomipramina. Esses fármacos são extremamente eficazes na depressão, entretanto possuem vários efeitos colaterais (hipotensão postural, boca seca, diminuição da libido, anorgasmia, sedação) e um baixo índice terapêutico, ou seja, a dose terapêutica é muito próxima da dose letal (o que torna essas drogas perigosas em superdosagem). Outro problema no uso dos INSRM é que esses fármacos, mesmo quando associados a estabilizadores do humor, apresentam altas taxas de virada maníaca observadas quando pacientes com depressão bipolar os utilizam. Virada maníaca é um termo utilizado para citar o desencadeamanto de crises maníacas quando um paciente com depressão bipolar faz uso inadvertido de antidepressivos.
Outra opção são os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), que, por possuírem ação mais seletiva, apresentam um melhor perfil de efeitos colaterais (principalmente gastrintestinais, como náuseas, vômitos e diarreia) e são mais seguros em caso de overdose e risco de suicídio. São ISRS: fluoxetina, paroxetina, citalopram, escitalopram, sertralina e fluvoxamina.
Antidepressivos de nova geração são aqueles que atuam em dois sistemas monoaminérgicos principais (duais) e foram desenvolvidos para terem um melhor perfil de efeitos colaterais. A mirtazapina tem ação noradrenérgica e serotoninérgica e apresenta menos efeitos colaterais que os ISRS. A bupropiona atua na recaptação da dopamina (DA) e, em menor grau, da noradrenalina (NA) sendo praticamente isenta de efeitos colaterais sexuais e uma das principais escolhas no tratamento da depressão bipolar e da dependência de nicotina. Há ainda os que atuam bloqueando os receptores de serotonina (5HT) e noradrenalina (NA), como a duloxetina e a venlafaxina. Esta apresenta a peculiaridade de inibir progressivamente receptores diferentes de acordo com a dose utilizada (em baixas doses atua no sistema da 5HT; em doses intermediárias, atua no sistema da NA; e em doses elevadas bloqueia a recaptação da DA). A venlafaxina é uma opção em casos de depressão refratária ao uso de ISRS, sendo segura em altas doses e não apresenta ganho de peso como efeito colateral.
Outro medicamento seguro na depressão bipolar é a quetiapina, um antipsicótico moderno. Trata-se do único antipsicótico aprovado no tratamento da mania aguda e da depressão bipolar em monoterapia. A FDA avalia a possibilidade de aprová-lo como tratamento de manutenção na Transtorno Afetivo Bipolar.



"-Mr. Jones, you have a disease. Manic depressive disorder.
-This is not a disease. I do not have a disease. This is who I am. I like who I am, you got it?"
"You´re not a sick person, you´re a person with a sickness."


Essa abordagem foi bastante louvável por parte da psiquiatra, pois ela afasta a ligação inevitável entre ser doente e possuir uma doença. Dessa forma, ela se aproxima mais do paciente e aumenta as chances de este aderir adequadamente ao tratamento. A base de um bom tratamento é a confiança no terapeuta. Nota-se também que um paciente em fase maníaca se sente bem o suficiente para recusar seu diagnóstico, não compreendendo bem as consequências de sua doença.

Diversos estudos demonstram que a cronicidade e a gravidade dos episódios maníacos e depressivos levam à aceleração da atrofia cortical que ocorre com a idade, além de atrofia cerebelar, hipocampal e da área 24 de Broadmann, uma área localizada no córtex pré-frontal ventralmente ao joelho do corpo caloso, todas essas áreas pertencem ou se relacionam com o sistema límbico, responsável pela expressão emocional.
É importante citar que estudos com ressonância magnética demonstraram que pacientes bipolares apresentam um aumento do volume do corpo amigdalóide, um dos núcleos da base do cérebro, este responsável pela regulação do impulso sexual e da agressividade.
Por todos esses achados, a instituição precoce do tratamento medicamentoso se faz necessária, pois o tratamento do episódio atual e a prevenção do próximo tem uma notável influência na redução dessa neurodegeneração e no prognóstico.


Erro médico?!

Quando a Dra. Bowen revisa os vídeos de sua paciente Amanda, após o suicídio dessa, ela percebe que no vídeo Amanda afirmava não ter medo da morte e estar pronta para morrer. Questiona-se uma intervenção mais próxima caso a psiquiatra tivesse percebido esse estado de espírito de sua paciente. Contudo, há que se considerar a tomada de responsabilidade dos pais de Amanda para si quando da alta de sua filha.


"You're a doctor, you can fix my mind, alright?!"
Proferida por uma paciente visivelmente desesperada, essa sentança traduz toda a expectativa posta sobre o profissional de saúde mental como responsável único sobre a cura do paciente.
Essa ideia deve ser desconstruida aos poucos, sem haver, no entanto, confrontação com a pessoa que busca ajuda, pelo menos a princípio, pois isso pode interferir negativamente e inviabilizar o estabelecimento de uma relação de confiança e a adesão ao tratamento.


"Mr. Jones, the way I see it, we have two problems here. One's chemical that we'll treat. And the other one is, I think, your pain. It'll take hard work for us to get up those feelings. Do you understand? You'll work with me. Do we have a deal?"